quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O enterro do Crioulo

Quando nos mudamos para a fazenda, não aceitei bem. Apesar da pouca idade, escutar minhas tias dizendo que meu pai era louco e que morávamos no ermo, acabavam por me fazer não gostar do local. Tive que vir para a cidade grande para entender como foi linda e rica minha infância. 

A casa era antiga, mas não era a sede original da fazenda, pois esta fora derrubada muitos anos antes do meu nascimento. Era uma casa de colono, onde ficaríamos até que a nossa ficasse pronta. Não tinha laje ou forro, as telhas eram escuras, as paredes pintadas de cal mais um pó amarelo. Me causavam certo pavor à noite. Tinham 3 quartos bons, sendo que dois eram conectados. Na cozinha, um fogão à lenha, que minha mãe acendia por causa do meu avô, que sempre queria comer "comida feita no fogão à lenha". O banheiro era, para mim, o lugar mais horroroso para se ir à noite. Escuro, longe dos demais cômodos, depois da dispensa! O arquiteto não foi muito inteligente...

Casamento da minha bisa  - Antiga sede

Mas era só o dia amanhecer que tudo ficava bonito. Passarinhos de várias espécies e cores cantarolando! Meu avô não deixava caçar lá nem prender passarinho algum. Mas tínhamos ganhado um melro, apelidado de Crioulo! Ele era safado que só, não podia ver meu avô que já eriçava as penas da cabeça para que fosse feito carinho. E dormia aos carinhos do meu avô. Era responsabilidade minha e do meu irmão alimentá-lo. Certo manhã, descobrimos que o Crioulo havia sumido. Por dias procuramos por ele, até que numa tarde ele voltou. Foi se aproximando de mansinho, estava abatido e mal conseguia respirar. A conclusão do meu avô era de que havia comido algo contaminado com herbicida, já que em todo redor havia sido aplicado o tal "veneno". Demos água, comida. Detalhe, pegamos a ração e fizemos uma papinha! Qualquer coisa para ajudar o bichinho.


Melro

No outro dia, quando fomos alimentá-lo novamente, estava lá, durinho. Assim que meu avô chegou, corremos para contar, porque queríamos enterrá-lo dignamente, mas meu pai queria joga em qualquer canto, pois iria ser "adubo pra terra mesmo"! Meu avô, indignado diante do nosso penar, pegou uma caixa de sapato, pôs o crioulo nela, me mandou catar flores, mandou meu irmão arrumar madeira (graveto) para fazer uma cruz. Tudo pronto, demos início ao enterro. Cabeças baixas, nó na garganta. Enterramos o melro, rezamos, uma cruz marcou seu leito de descanso e nunca mais nenhum pássaro entrou nas nossas casas.

Só mesmo meu avô para nos compreender!

4 comentários:

  1. Eu lembro bem desse momentos quantas saudades......
    Como o velho faz falta!!!Grande beijo juninho

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  2. Ele era fantástico! Faz muuuita falta! bjoo

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  3. Muito importante o enterro do Crioulo. Lembra-me o enterro da brava guerreira, cadela Baleia de Graciliano Ramos. Afinal, como ter estimação por um bicho que náo tinha sequer enterro? Dignidade humana para os melros! Já! Dignidade humana passárica! Já!

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