quinta-feira, 8 de março de 2012

A velha e a aranha

Essa história ouço desde criança e ouvi milhares de vezes. Ouvi tantas vezes que me pergunto "me contaram ou participei da ação?". Infelizmente não participei! Os autores dessa proeza foram meu tio Zé e minha mãe. Os caçulas da família, ele, dos homens e ela a caçulinha mesmo.

A família da minha mãe foi criada em uma pequena vila no norte fluminense, chamada Santa Clara. Acredito que lá pelos anos 60 do século passado, a população não chegasse a 500 habitantes. Apesar de estar localizada no Estado do Rio de Janeiro, ela me lembra muito aquelas pequenas cidades e vilas mineiras, onde o tempo tem uma cadência diferente, onde as horas não tem apenas 60 minutos, a vida e os acontecimentos tem seu próprio compasso, sem muita pressa. 

Meu avô fora um homem importante no lugar, além de muito inteligente e o avô mais lindo do mundo (meu herói!), era também um grande representante politico e produtor rural. Geralmente, as novidades tecnológicas chegavam primeiro na casa dele. Foi assim com o telefone e especialmente com a tãããão almejada TELEVISÃO!



Dizem que na época, só existia essa tv na vila. Imagina então, todos queriam ser convidados para assistir as novelas, filmes, noticiários, jogos. Minha mãe conta que era muita gente que aparecia, ficavam penduradas nas janelas, ocupavam toda sala. Claro que isso incomodava, mas meu avô era político, não podia negar isso aos seus eleitores!

De modo geral, eles aceitavam todo esse assédio a televisão, mas tinha uma pessoa em especial, aquela pessoa que eles não suportavam. Era a dona Emeraldina, uma senhora de idade que todo santo dia, aparecia na hora da novela e só ia embora quando meu avô dizia que ia dormir! Era uma velhinha cheia de artrose, artrite, artro-tudo, que vinha caminhando lentamente da sua casa. Devia sair uma meia hora antes, porque os passos eram curtos, tremidos e lentos. Quando chegava à casa dos meus avós, ela ainda tinha um sofá preferencial! Meu tio e minha mãe não se conformavam com aquilo, porque se eles estivessem sentados no bendito, eram obrigados a ceder o lugar para Dona Emeraldina. 


Imagino que ela fosse assim, magrinha e encurvadinha

Um belo dia, depois de uma dessas quermesses, onde o lugarejo fica cheio de barriquinhas vendendo suas bugigangas, as crianças compraram várias besteiras, entre elas aquela aranha enorme ligada a um bombeador de ar que faz com que ela pule. E tiveram uma ideia brilhante: dar um susto na Dona Emeraldina!


Que estrago não teriam feito com essa, hein?! Controle remoto!! Eu quero uma!!!


Pois bem, os dois chegaram em casa, no maior silêncio, esperaram todos chegarem, se posicionarem e se concentrarem na novela. Esgueiraram-se para trás do sofá onde estava Dona Emeraldina, empurraram a aranha para perto dos pés dela e começaram a bombear. Nesse momento, alguém grita: "Meu Deus que aranha enorme nos pés da Dona Emeraldina!". Dizem que a velha olhou, deu um grito, jogou as pernas pra cima numa agilidade assustadora, balançava que nem uma louca, deu um pulo e saiu correndo para fora da casa!

Todos se olharam assustados com a agilidade da senhora que diariamente fazia a maior cena para sentar e levantar do sofá. Em seguida, foi aquela gargalhada uníssona! Meu avô claro que brigou com meu tio e minha mãe, mas também não se aguentou! 

Pelo menos as crianças obtiveram o sofá de volta!



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Respeito é bom e eu gosto!

Ontem fui almoçar na casa de uma amiga, onde de tudo um pouco foi falado: passado, presente, futuro, amigos, amores, trabalho. Não me lembro ao certo porque chegamos a esse assunto, mas me causou muito espanto. Ela me disse que "não considerava sua primeira relação sexual como a primeira". Claro que indaguei! Afinal, por quê  não seria a primeira? Ela respondeu que "não foi bem sexo, que ela não queria fazer, mas como estava no carro com o cara, no escuro, então ela não podia reclamar"! Acho que fiquei sem respirar por alguns instantes... quando recuperei as faculdades mentais, retruquei: Isso foi estupro! Fiquei indignada, mesmo assim ela ainda tentou se defender do que eu disse, ou seja, nunca denunciou e ainda hoje se sentia culpada pelo acontecido.

Assim, senti-me na obrigação de escrever esse post, pois os anos se passam, tudo evolui, a tecnologia nos atropela numa velocidade às vezes impensável, e essa ideia, mais do que ultrapassada de que a mulher tem culpa de ser estuprada, não muda!

Por tantas vezes, fiquei fula por ouvir as mais variadas "gracinhas" pela rua, como se o fato de estar vestida  com malha de academia (comportada, com direito a blusa amarrada na cintura!) desse o direito de todo e qualquer homem falar alguma coisa. E mais, se eu for estuprada, tenho certeza de que alegariam que a culpa era minha, afinal tava usando aquelas roupas!

Certa vez, na academia, aconteceu uma situação muito esdrúxula. Um cara se achou no direito de ficar, não diria nem olhando mas sim, "me comendo com os olhos"! Foi uma sensação de nojo e de invasão! Minha vontade foi de pegar uma anilha e bater na cara para que ele nunca mais fizesse isso! Óbvio, que foi só vontade, minha reação foi mandar ele parar com aquilo porque ele não podia ficar me observando e fui fazer a reclamação ao coordenador. Tive que escutar que isso era normal, porque a roupa é sexy, os movimentos são e eu era "gostosa"! Hãããããããããã?!?!?! Como assim?? Agora tenho que andar de burca, malhar de burca?!?! E outra, se a mulher for classificada como "gostosa", é porque ela QUER OUVIR CANTADAS! Se minha genética contribui para uma boa aparência, estou fadada a escutar coisas desagradáveis e, quiçá, ser estuprada! Só faltam me dizer que "Deus quis assim"!

"Minhas amigas e eu indo malhar!"

Outra situação interessante ocorreu em pleno carnaval, enquanto esperávamos a folia começar no "Toca Raul". Duas mulheres começaram a discutir sobre o estupro da garota vestida de colegial no ônibus. Foi terrível escutar duas mulheres aos berros dizendo: "Também, vocês já viram o tamanho das saias dessas meninas? Eu fico abismada!". Peraí, pára tudo! A menina estava indo ou voltando do colégio, vestida com o uniforme da escola!!!

Reconheço que "moro num pa tropi", que as pessoas tendem a usar roupas mais curtas, que o sexo impere na cabeça de todos, porém onde fica o RESPEITO AO PRÓXIMO? Não sou machista nem feminista, não vim aqui defender quaisquer bandeiras.  Estou apenas tentando alertar algumas mulheres que ainda caem nessa falácia de que a culpa é nossa! Nãããããão! Recuso-me a aceitar isso! É assédio sexual, é desrespeito, é desumano com todas as mulheres que estudam, que contribuem para ciências, economia, direito, marketing, enfim, com as mães de família que sustentam seus lares sozinhas.

Que fique claro: não culpo somente os homens por essas atitudes idiotas! São vários os fatores que levam os brasileiros a se comportarem assim. Por exemplo, temos muitas mães machistas!

Então, nem adianta me dizer que isso seja cultural! Pode até ser, no entanto, nada impede que características negativas de uma cultura não sejam mudadas para melhor. Se as pessoas não respeitam ideias, que respeitem a lei! Então vamos sim denunciar qualquer atitude que te constranja! Não aceite porque "isso é normal". Normal é você ter a liberdade de ir e vir sem ser constrangida, é poder usar a roupa adequada ao local e não ser constrangida, seria até mesmo você sair nua e mesmo assim ninguém ter o direito de te estuprar!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O que podemos aprender com os gansos

Essa é a história de uma amiga, sua mãe e a saga pelo livro "O que podemos aprender com os gansos". Sosso, minha amiga, estava em casa, aproveitando o direito de não fazer nada e nem se preocupar com isso, quando sua mãe chega e a chama para ir ao shopping comprar um livro: O que podemos aprender com os gansos!

Morro de medo desse bicho!

Enquanto sua mãe procurava o tal livro e via umas revistas, Sosso foi dar uma volta na livraria - prazer inigualável. De repente, ela escuta uma pessoa gritando na livraria:

- Nãããããããão, é esse mesmo!!! Eu vim aqui semana passada e vi! É do Leonardo Boff!!!

A certeza nos dá força para lutar por nossos objetivos!


Era a mãe dela discutindo com a atendente, pois ela tinha CERTEZA do nome do livro! E a coitadinha da atendente, sem graça, tentando convencê-la, dizia:

- Não, não é esse. ACHO  que o nome é outro... E com aquela cara de "cada um que me aparece"!!!

Ainda assim a mãe da Sosso retrucava aos berros:

- Nãããããão! Pode ver que É ESSE!
Por causa do alvoroço, Sosso se aproximou do local para perguntar o que tava acontecendo e pedia calma para sua mãe. Claro que não sabia onde enfiar a cara, estava até pensando em perguntar se existia o livro "o que podemos aprender com os avestruzes" - achar um buraco e enfiar a cara!

Enquanto ela tentava acalmar sua mãe, a vendedora sai e volta com um livro na mão:

-  Acho que o livro que a senhora tá procurando é esse.

A mãe olha para o livro e solta a frase:

- Ahhhh, menina, era esse aqui mesmo!!!

O título do livro certo era " A águia e a galinha"! Acho que ela "aprendeu com os gansos" que memória boa é a dos elefantes!


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O enterro do Crioulo

Quando nos mudamos para a fazenda, não aceitei bem. Apesar da pouca idade, escutar minhas tias dizendo que meu pai era louco e que morávamos no ermo, acabavam por me fazer não gostar do local. Tive que vir para a cidade grande para entender como foi linda e rica minha infância. 

A casa era antiga, mas não era a sede original da fazenda, pois esta fora derrubada muitos anos antes do meu nascimento. Era uma casa de colono, onde ficaríamos até que a nossa ficasse pronta. Não tinha laje ou forro, as telhas eram escuras, as paredes pintadas de cal mais um pó amarelo. Me causavam certo pavor à noite. Tinham 3 quartos bons, sendo que dois eram conectados. Na cozinha, um fogão à lenha, que minha mãe acendia por causa do meu avô, que sempre queria comer "comida feita no fogão à lenha". O banheiro era, para mim, o lugar mais horroroso para se ir à noite. Escuro, longe dos demais cômodos, depois da dispensa! O arquiteto não foi muito inteligente...

Casamento da minha bisa  - Antiga sede

Mas era só o dia amanhecer que tudo ficava bonito. Passarinhos de várias espécies e cores cantarolando! Meu avô não deixava caçar lá nem prender passarinho algum. Mas tínhamos ganhado um melro, apelidado de Crioulo! Ele era safado que só, não podia ver meu avô que já eriçava as penas da cabeça para que fosse feito carinho. E dormia aos carinhos do meu avô. Era responsabilidade minha e do meu irmão alimentá-lo. Certo manhã, descobrimos que o Crioulo havia sumido. Por dias procuramos por ele, até que numa tarde ele voltou. Foi se aproximando de mansinho, estava abatido e mal conseguia respirar. A conclusão do meu avô era de que havia comido algo contaminado com herbicida, já que em todo redor havia sido aplicado o tal "veneno". Demos água, comida. Detalhe, pegamos a ração e fizemos uma papinha! Qualquer coisa para ajudar o bichinho.


Melro

No outro dia, quando fomos alimentá-lo novamente, estava lá, durinho. Assim que meu avô chegou, corremos para contar, porque queríamos enterrá-lo dignamente, mas meu pai queria joga em qualquer canto, pois iria ser "adubo pra terra mesmo"! Meu avô, indignado diante do nosso penar, pegou uma caixa de sapato, pôs o crioulo nela, me mandou catar flores, mandou meu irmão arrumar madeira (graveto) para fazer uma cruz. Tudo pronto, demos início ao enterro. Cabeças baixas, nó na garganta. Enterramos o melro, rezamos, uma cruz marcou seu leito de descanso e nunca mais nenhum pássaro entrou nas nossas casas.

Só mesmo meu avô para nos compreender!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O quintal da Vó Cilinha

Lendo o blog lindo da Ana (Anita), minha primeira vontade foi de dizer como eram lindos seus textos e prontamente o fiz! Foi assim que nos "conhecemos", pelo menos virtualmente. Situação facilmente reversível com uma boa cerveja na Lapa qualquer dia desses, heeein?!?! 

A segunda vontade foi voltar a escrever nesse blog, seja falando dos "pensamentos que insistem em surgir" e não deixar dormir, seja contando minhas histórias ou a dos outros. E não é que me foi oferecida uma história!?! Pois bem, essa é a uma das histórias de infância da Anita, sua avó e uma amiguinha.

Vó Cilinha era conhecida por todos por sua braveza. Era ela falar e todos obedeciam! Ou quase todos... 

Ela  adquiriu sua linda casa no Parque das Andorinhas, era uma daquelas casas no interior, onde não existem portões ou muros, na frente havia um caminho que dava na garagem e um outro caminho de pedra para as pessoas chegarem até a porta. Logo, logo transformou o enorme quintal em gramado e jardim, que cuidava com muita presteza.

Um belo dia, sua neta Anita estava brincando com Vivi, naquela jardim tão cheio de cores, cheiros e por que não, sabores?! Confesso, já comi muitas rosas da minha avó! Eram tão bonitas, achei por bem experimentar! As duas não comeram, mas se encantaram pelas mini-rosas e começaram a arrancar. Quando Vó Cilinha viu aquilo tratou de soltar aquele grito: 

- Ahhhh, sáminina, não arranca assim, rosa é bonita no pé!!!


Normalmente, seria o suficiente para que nada mais acontecesse com suas rosinhas de estimação. Mas estamos falando de crianças, temos aqui dois agravantes: "aquilo que é proibido, é interessante..." e o fato de que crianças entendem o literal! Cuidado com o que dizem a elas!!!

Pois bem, Vó Cilinha acreditou que suas rosas estivessem salvas. O silêncio dominou o ambiente! Uma dica da minha mãe: "se criança não tá fazendo barulho, corre pra ver, porque certamente está aprontando algo! Criança quieta não presta!". Vó Cilinha não sabia o que a aguardava!!! 

Mais tarde, entram as duas na casa, andando pelos calcanhares e, entre cada dedinho, lindas mini-rosas! Anita, com um largo sorriso na face, virou para sua avó e disse:

- E agora, Vó?? Ficou bonito?!?

Afinal... elas estavam no pé... ou nos pés!!!